Seria impossível descrever a dor de alguém que perde um filho. Imagine, então, se essa perda precoce fosse provocada pela milícia, ou ainda, pela polícia. O que “Nossos Filhos Têm Mães” quer é mostrar que muito além da vida perdida, o Estado opressor e que mata sem medida destrói um lar, uma família, e, principalmente, uma mãe.
Uma mãe que tira forças de onde não há uma gota de esperança, para que a memória de seu filho não seja apagada como alguém que não merecia a vida que tinha. Publicado pela editora Telha a partir da dissertação de mestrado em Ciências Sociais da jornalista Giulia Escuri, essa obra choca por sua profundidade ao passo que nos mostra uma realidade que nenhum programa policial é capaz de transmitir.
“Nossos Filhos Têm Mães” explora as relações entre território, dor, sofrimento e parentesco manejadas pelas mães e familiares de vítimas de violência do Estado na Baixada Fluminense. Debruçada sobre o tema da violência praticada por agentes do Estado, que compreende policiais militares e também grupos de extermínio e milícias, a autora analisou as mobilizações de mulheres e familiares das vítimas.
“Nossos mortos têm voz; nossos filhos têm voz; nossos filhos têm mães!” é um grito proferido pelas mães e familiares de vítimas de violência estatal nos atos e protestos. Levando cartazes com o rosto dos filhos, vestindo blusas com suas fotos e lutando contra o Estado, responsável por retirar a vida de uma pessoa amada, as mulheres são as protagonistas nessa luta.
As integrantes da “Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado na Baixada Fluminense” são as principais interlocutoras desta pesquisa. Através de atos protagonizados pela Rede que foram acompanhados em 2019 e de entrevistas concedidas por essas mulheres no fim de 2020 e início de 2021, é possível notar categorias centrais para um estudo acerca dessas agências femininas que seguem um evento crítico. Já a escolha pela Baixada Fluminense, se justifica por ser historicamente associado ao estigma da criminalidade e conviver com a exaltação de grupos poderosos responsáveis pelo assassinato, em massa, de jovens negros.
A obra ainda avalia questões como o gênero enquanto elemento central, a conexão entre emoções, luto e maternidade na luta por justiça e memória dos mortos. Além disso, também são levados em conta aspectos como os encerramentos nas trajetórias das mães após a morte de um filho e o modo como suas vidas e seus corpos são afetados pelo sofrimento.
Por fim, esse estudo investiga o lugar do parentesco na ausência de filhos e familiares vitimados pelo Estado e o exercício da maternidade em territórios periféricos, mesmo para mães que, agora, têm de se relacionar com um filho que não existe mais no plano físico.
De forma impressionante e esclarecedora, “Nossos Filhos Têm Mães!” mostra, através de um trabalho respeitoso sobre as trajetórias dessas mulheres, um delicado e doloroso esforço para relatar as ações, as dores e as “lutas por justiça” contra o Estado, realizadas por pessoa, ávidas para comprovar a “inocência”, assim como ansiosas para buscar o respeito e a perpetuação das memórias dos vitimados.
Sobre a autora:
Giulia Escuri vive na Baixada Fluminense. É formada em jornalismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela mesma universidade (PPGCS/UFRRJ) e doutoranda pelo mesmo programa. Desde 2018 pesquisa a Baixada Fluminense, a violência estatal e as agências das mães e familiares de vítimas de violência de Estado.
Sobre a Editora Telha:
Desenvolvida no Rio de Janeiro, a Editora Telha nasce no fim de 2019 e já alcança, em sua primeira publicação Motel Brasil: uma antropologia contemporânea, de Jérôme Souty, a marca de obra finalista do Prêmio Jabuti 2020. Interdependente (porque independente ninguém é realmente), a Telha surgiu pelo desejo de editar com maior autonomia e criar mais espaço para textos produzidos por autores fora dos grandes centros.
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